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O despertar de Lilith (2016)

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As mulheres são parte abundante do público dos filmes de horror e sempre marcaram presença diante das câmeras neste gênero, tendo seu papel reconfigurado diversas vezes com o passar do tempo, acompanhando as transformações sociais e comportamentais. Atrás das câmeras, no entanto, nunca foi um terreno muito frequentado por mulheres; não somente no âmbito dos filmes de horror, mas do cinema predominante como um todo.

Porém, a partir dos anos 1990, alguns nomes surgiram com muita força: na França, Marina de Van e Claire Denis apresentaram um cinema corpóreo e sangrento – e de acordo com a natureza feminina; afinal, enquanto os homens sangram apenas quando se machucam, o sangue faz parte do cotidiano de qualquer mulher em idade reprodutiva. Em língua inglesa, destacaram-se Antonia Bird, com Mortos de fome (1999) e Mary Lambert, cujo primeiro longa-metragem, O cemitério maldito (1989), tornou-se filme de culto. No Brasil, os louros pelo primeiro filme de horror realizado por uma mulher vão para Rosângela Maldonado, atriz que trabalhou com José Mojica Marins em 1978, em A mulher que põe a pomba no ar, e que no mesmo ano dirigiu A Deusa de mármore: Escrava do Diabo.

A boa notícia é que, em meio à explosão de novos cineastas brasileiros voltados ao horror, há muitas mulheres realizando e apontando um caminho totalmente novo para o cinema nacional independente e de gênero, como Juliana Rojas e a temática do horror social em Trabalhar cansa (2011); Anita Rocha da Silveira e sua percepção macabra da adolescência em Mate-me por favor (2015), e Clarissa Appelt e o horror existencial em A casa de Cecília (2014). Somam-se a elas Larissa Anzoategui, Amanda Maya, Luciana Faulhaber, e as talentosas curta-metragistas Cíntia Domit Bittar, Marja Calafange e Gabriela Amaral Almeida, roteirista experiente que tem o longa-metragem O animal cordial no prelo*. Desempenhando funções de produção, Virginia Cavendish trouxe a público Através da Sombra (2015) e Ticiana Augusto Lima é responsável por A misteriosa morte de Pérola (2014).

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Para representar este momento inédito do cinema nacional, a Trash – Mostra Internacional de Cinema Fantástico programou O despertar de Lilith (2016), dirigido pela carioca Monica Demes nos Estados Unidos. O filme conta a história de Lucy (Sophia Woodward), uma mulher cuja convivência diária limita-se ao marido e ao pai repressores e um colega de trabalho que a assedia. A personagem começa a ser assombrada pela presença de uma mulher misteriosa e inicia um processo de transformação e descoberta do próprio corpo, apesar do esforço das figuras masculinas ao seu redor para dominá-lo. Em um perfeito contraponto com a personagem Lucy, frágil e cabisbaixa, a cantora e atriz Bárbara Eugenia interpreta Lilith, a mulher misteriosa, com seu rosto de traços fortes e hipnóticos que remetem a Theda Bara e Pola Negri.  O despertar de Lilith reúne muitas das características dos filmes citados anteriormente, como a descoberta de si e o desejo, evocando a liberdade feminina e o retorno à natureza. De certo modo, o filme de Monica celebra o horror feminino e surge como um chamamento das mulheres para este tipo de cinema, algo intrínseco à natureza feminina.

* O animal cordial teve a sua primeira exibição em julho de 2017, no tradicional FanTasia Festival, no Canadá.

Publicado originalmente no catálogo da mostra Trash, em dezembro de 2016.

Pesquisadora, crítica, curadora e realizadora cearense radicada em São Paulo, escreve regularmente sobre filmes para livros, encartes de homevideo e catálogos de mostras, além de integrar curadorias e júris de festivais pelo país. Doutoranda em Comunicação Audiovisual (UAM-SP) com doutorado-sanduíche na Universidade de Sorbonne (Paris), ministra palestras e cursos livres sobre cinema. Criou em 2017 a revista eletrônica Les Diaboliques, onde compartilha sua paixão pelos filmes de horror.

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