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Críticas

Bruxas (2024)

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Com première mundial no Festival do Cinema Britânico e Irlandês de Dinard* (França) e exibição no Festival do Rio, o documentário Bruxas (2024), disponível na Mubi a partir do dia 22 de novembro, discute um dos grandes tabus associados à maternidade: a depressão pós-parto. Partindo de um relato pessoal, a diretora Elizabeth Sankey faz um depoimento profundamente íntimo sobre a sua experiência como mãe de um recém-nascido, juntando-se à ela um grupo de mulheres que sobreviveram à essa fase tão tenebrosa quanto pouco falada.

A cineasta britânica, que já havia explorado meandros do universo feminino com o documentário Romantic Comedy (2019), sobre o gênero cinematográfico das comédias românticas, e em Boobs (2022), um telefilme sobre a abordagem social e midiática dos seios, decide aqui usar o imaginário do cinema de horror — notadamente os filmes de bruxas — para representar a solidão e o estigma de ser uma mãe com depressão pós-parto. Se quando jovem Sankey se sentia atraída pela beleza e as cores alegres das bruxas boas da ficção, com o passar do tempo ela começou a se identificar cada vez mais com a sinceridade e a humanidade das feiticeiras consideradas más, feias e perigosas.

A diretora Elizabeth Sankey. Imagem: Mubi

Tudo começou quando ela ainda estava grávida e não suportava aquele estado transitório, desejando intensamente que a criança nascesse logo. Depois do parto, ela se viu perdendo definitivamente o controle de si mesma, sendo dominada por pensamentos sinistros que envolviam colocar em risco a sua vida e a do bebê. Aquilo se tornou ainda pior quando ela recorreu à ajuda médica e as pessoas que deveriam estar ali para socorrê-la simplesmente desdenharam do seu problema, alegando que a maternidade é assim mesmo e que ela deveria se habituar àquela situação. Sankey se sentia como se estivesse dentro de um filme de horror, sua casa tinha se tornado o pior lugar do mundo. Era como se ela estivesse possuída e a solução para isso, além de um tratamento psicológico e da vigília constante, era encontrar pessoas com quem partilhar aquele momento, alguém que não a julgasse e, ainda melhor, que compreendesse pelo que ela passava. Foi quando Sankey foi internada em uma ala psiquiátrica, conheceu um grupo de mães que viveram experiências semelhantes à dela e, pela primeira vez, pôde compartilhar tudo que estava sentindo sem o receio de julgamentos.

É sempre interessante ver como o cinema de horror, para além de uma fruição per se, muitas vezes tem sido o veículo para a discussão de temas pertinentes ao universo das mulheres, como os demais tipos de violência sofridos, as transformações corporais, os receios advindos da gestação e — por que não? — do pós-gestação. O assunto da depressão pós-parto teve uma espécie de mini-ciclo na segunda metade dos anos 2000, com o fortíssimo drama dinamarquês Daisy Diamond (2007), estrelado por Noomi Rapace, e os filmes de horror Herança maldita (2008) e O mistério de Grace (2009), todos realizados por homens, o que faz pensar que seria interessante vê-lo voltar à pauta em projetos encabeçados por mulheres. Em Bruxas, temos uma amostra disso, porém a cineasta decide colocar o seu foco nas narrativas sobre as feiticeiras. Isso porque ela encontra na figura da bruxa uma maneira de refletir sobre a ideia de bem e mal nas mulheres; sobre as expectativas depositadas nas mães pelas pessoas em seu entorno e pela sociedade como um todo, que há milênios imprimem nelas seus ideais de perfeição, endossados pela mídia. Além disso, ela faz também uma associação dos grupos de apoio entre mulheres com os covens de feiticeiras, sugerindo que a solução para esse período de trevas é estar entre os seus pares.

Formalmente, Bruxas se aproxima bastante do vídeo-ensaio na montagem com os trechos de clássicos filmes de bruxas, deslocando-os de seu lugar original e dando um novo sentido que convém à sua tese. Este formato tem se popularizado bastante no meio acadêmico, em especial no Reino Unido, no meio das mulheres pesquisadoras de horror, e tem rendido excelentes resultados que se aproximam mais do ensaio literário do que de um documentário em si. Por vezes, a cineasta acaba se concentrando nos depoimentos e se afastando das imagens de cinema, mas no geral os filmes dialogam bem com as histórias pessoais, justificando a escolha do imaginário cinematográfico das feiticeiras para falar sobre esta fase profundamente sombria vivenciada por muitas mulheres, o tabu em torno deste assunto e o estigma de não ser uma mãe ideal; por isso considero Bruxas uma ótima surpresa. Trata-se de uma bela articulação entre as histórias de mulheres reais e as bruxas que nos assombram e encantam no cinema, o trabalho comovente de uma cineasta promissora cujos projetos vindouros anseio por conhecer.

* Agradeço ao assessor Gilles Lyon-Caen e à Mubi pelo acesso antecipado ao documentário.

Pesquisadora, crítica, curadora e realizadora cearense radicada em São Paulo, escreve regularmente sobre filmes para livros, encartes de homevideo e catálogos de mostras, além de integrar curadorias e júris de festivais pelo país. Doutoranda em Comunicação Audiovisual (UAM-SP) com doutorado-sanduíche na Universidade de Sorbonne (Paris), ministra palestras e cursos livres sobre cinema. Criou em 2017 a revista eletrônica Les Diaboliques, onde compartilha sua paixão pelos filmes de horror.

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