Críticas
Um lugar silencioso (2018)
Em um mundo devastado por enormes criaturas, uma família luta pela sobrevivência. Os monstros são cegos, mas possuem uma audição superdesenvolvida, portanto foi necessário reiventar os hábitos mais banais, como a forma de se locomover dentro e fora de casa e, principalmente, a maneira de se comunicar: basicamente, a família dialoga por linguagem de sinais. John Krasinski, diretor e protagonista do filme, é especialmente conhecido pelo público por seus papéis cômicos, tendo conquistado prêmios SAG por sua performance na série Vida de escritório. O longa-metragem Um lugar silencioso, uma composição equilibrada de drama e horror, é a sua primeira empreitada no gênero.
Logo de imediato, chama a atenção o seguinte paradoxo: uma história de horror em que as vítimas não podem gritar, já que mesmo pequenos ruídos atraem as criaturas. Partindo desta proposta, o filme nasce com o desafio de criar alternativas inteligentes para a nova realidade daquelas personagens, e surge com boas soluções. Outra dificuldade é o fator do isolamento, pois a família só pode contar consigo mesma até para necessidades fundamentais como cuidados médicos. O dever de proteger a família, em compensação, é predominante em todos os membros. Essa atmosfera intimista e profundamente doméstica remete ao recente Ao cair da noite (2017), inclusive no que diz respeito à paranoia, mas Um lugar silencioso é totalmente divergente no sentido de que as coisas acontecem – e como acontecem! Aqui praticamente não há os habituais respiros que entremeiam os momentos de ataque, e sim uma sucessão de cenas de perigo e vulnerabilidade. Ao mesmo tempo em que pode soar estranho numa reflexão sobre o filme, durante a sessão prende a atenção com muita eficácia.
Narrativamente econômico, é bem-sucedido ao utilizar recursos tradicionais como manchetes de jornais e outros escritos para situar o espectador das informações complementares acerca dos monstros, fugindo ao máximo de explicações excessivas e desnecessárias, a fim de evitar a comunicação verbal. Por este mesmo motivo, é especialmente narrado por gestos e intensamente dependente da imagem para contar a história, o que é feito com clareza.
Outro dos trunfos de Um lugar silencioso é o trabalho cuidadoso com o áudio. Temos pelo menos três instâncias: as pessoas que ouvem, uma pessoa surda e o próprio monstro, o que oferece diferentes possibilidades de áudio subjetivo. Uma das cenas mais marcantes é um momento romântico com um uso diegético bonito e delicado de uma música do cancioneiro popular americano.
Um tanto autoindulgente, o longa é fortemente marcado pelo sentimento de preservação da família – uma herança spielberguiana? – e por isso fica a um triz de resvalar no piegas, mas suas qualidades se sobressaem e fazem de Um lugar silencioso um dos filmes de horror mais interessantes de 2018 até o momento.