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Miscelânea

Vidar, o vampiro (2017)

Niilismo, pecado e redenção no sangue de Jesus

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O vampiro é uma das criaturas fantásticas mais antigas e populares do cinema, tendo aparecido pela primeira vez no clássico do Expressionismo Alemão Nosferatu (1922), de F.W. Murnau. Mas aquela versão esguia, careca e dentuça de Max Schreck como o Conde Orlok é apenas uma das muitas formas de representar este ser sugador de sangue. O vampiro passou por inúmeras transformações no decorrer dos anos, funcionando como metáfora para incontáveis situações, transitando entre monstro abjeto e galã reluzente (existem também alguns hipsters pálidos no meio disso tudo, retratando tribos de jovens rebeldes ou desajustados sociais, e ainda uma vasta galeria que parece não ter limites).

O cineasta norueguês Thomas Aske Berg desenvolveu o conceito de Vidar, o Vampiro há oito anos, em 2010. A ideia original era trabalhar com o formato do mockumentary (falso documentário), porém, devido ao surpreendente sucesso da comédia independente O Que Fazemos nas Sombras (2014), divertidíssimo filme australiano de vampiros feito neste mesmo formato narrativo, Berg se sentiu desafiado a fazer algo diferente. O resultado foi a história de Vidar, um fazendeiro cristão que vive no sótão da casa de sua mãe extremamente religiosa. Ainda virgem aos 33 anos de idade, ele não consegue se esquecer de quando foi rejeitado e humilhado por uma garota quando era criança, e tem como única companheira uma coleção de revistas Playboy. Um dia, em suas orações, ele pede a Jesus que o permita transar com mulheres de 20 e poucos anos, meter-se em brigas e viver sem medo. O que ele não esperava é que Jesus Cristo fosse um vampiro malicioso, e que realizasse seus desejos mais ardentes. Ao aceitar (de maneira pra lá de controversa) o corpo e o sangue de Cristo, ele torna-se um vampiro tarado que sai pelas ruas em busca de sexo e confusão.

Desde 2012, Thomas Berg toca com seu parceiro John Iver Berg a produtora UFOh!, através da qual realizaram diversos curtas-metragens e videoclipes. O mais conhecido deles é Believe the Dance (2013), um musical de horror popular no circuito de festivais de cinema fantástico pelo mundo. Vidar, o Vampiro, é a primeira experiência de Berg na direção de longa-metragem. Tendo sido também escrito e protagonizado por ele, o filme tem muitos elementos autobiográficos, valendo-lhe um prêmio de atuação no Fantaspoa, o festival internacional de cinema fantástico de Porto Alegre, em 2018.

Durante o período de escrita do roteiro, o realizador sofria de uma severa depressão, portanto foi natural que boa parte da história se passasse no consultório de um psiquiatra, com Vidar contando ao médico sobre suas lembranças traumáticas de infância até suas mais loucas experiências místicas e eróticas como homem adulto. Divertido, profano e absurdo, Vidar é um filme de vampiro original e provocante, comprovando tanto o fascínio imortal das criaturas da noite quanto a força do próprio cinema fantástico escandinavo.

Publicado originalmente no catálogo da mostra Crash, em dezembro de 2018.

Pesquisadora, crítica, curadora e realizadora cearense radicada em São Paulo, escreve regularmente sobre filmes para livros, encartes de homevideo e catálogos de mostras, além de integrar curadorias e júris de festivais pelo país. Doutoranda em Comunicação Audiovisual (UAM-SP) com pesquisa sobre filmes de horror brasileiros feito por mulheres, ministra palestras e cursos livres sobre cinema. Atualmente, realiza dourado-sanduíche como pesquisadora convidada na Universidade de Sorbonne (Paris). Mantém a revista eletrônica Les Diaboliques, com foco em filmes de horror.

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